Com o objetivo de sempre melhorar o atendimento da população, a ANS realiza de forma contínua a análise e atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. O Rol contempla os procedimentos e eventos que devem ser cobertos pelos planos de saúde.
Consequentemente, as Operadoras de Saúde - OPS e as Seguradoras Especializadas em Saúde - SES são obrigadas a acompanhar essas atualizações e a cumprir as exigências estabelecidas pela ANS, o que constantemente exige novas estratégias para adaptação. Além disso, essa constante atualização gera desafios para essas entidades visto que algumas das obrigatoriedades implicam em consideráveis impactos operacionais e financeiros.
Dentre os desafios na gestão da atualização do Rol, temos a incorporação de medicamentos, em especial os medicamentos de altos custos.
Com o avanço da tecnologia, cada dia são desenvolvidos medicamentos para tratamentos de doenças, principalmente doenças graves e raras para tratamento de alto custo, como o câncer, Atrofia Muscular Espinha etc.
Desse modo, o desenvolvimento de novos medicamentos, rapidez na qual esses medicamentos são aprovados para uso e comercialização no país e incorporação ao Rol, tem contribuído para criação de um cenário complexo e de risco as OPS/SES, gerando uma necessidade de uma maior gestão.
Mercado Farmacêutico
De forma geral, o mercado industrial farmacêutico é responsável principalmente pelo desenvolvimento, pesquisa, comercialização e distribuição de medicamentos no Brasil e tem apresentado constante crescimento nos últimos anos.
Segundo os anuários sobre a indústria farmacêutica em 20231 e 20222, divulgados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, o setor farmacêutico teve R$ 131 bilhões de faturamento em 2022 e R$ 142 bilhões em 2023. Desses montantes, em ambos os anos, 34% foram relacionados a medicamentos novos, sendo no total R$ 43 bilhões em 2022 e R$ 47 bilhões em 2023.
Além dos dados financeiros, o anuário fornece alguns outros números do setor, como demostrado a seguir.
FIGURA 1: NÚMEROS DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
2022 | 2023 | |
---|---|---|
Faturamento | R$ 131,2 bilhões | R$ 142,4 bilhões |
Novos Medicamentos | R$ 43,2 bilhões | R$ 47,8 bilhões |
Embalagens Comercializadas | 5,7 bilhões | 5,8 bilhões |
Empresas | 217 | 223 |
Classes Terapêuticas | 505 | 508 |
Produtos Comercializados | 4.748 | 6.955 |
Esse cenário demonstra não só o crescimento desse setor como também a facilidade e rapidez com que novos medicamentos são introduzidos no mercado.
Com o avanço da tecnologia e à medida que esses medicamentos são mais disponibilizados no país, mais medicamentos são incluídos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Com isso, em especial os para os casos de medicamentos de alto custo, os planos de saúde já sofrem o impacto dessas incorporações apresentando aumento significativo nas despesas operacionais e financeiras.
Impacto na Saúde Suplementar
A incorporação de novos procedimentos, como tratamentos para o câncer ou novos cuidados com a saúde mental, impacta diretamente no aumento da utilização e nas despesas das OPS/SES, entretanto, a situação tem se agravado devido ao elevado número de medicamentos de alto custo.
Um exemplo claro de uma incorporação ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que prejudica algumas OPS/SES é o Zolgensma, uma terapia gênica indicada para tratar a Atrofia Muscular Espinhal - AME, uma doença rara, degenerativa, genética e sem cura.
Esse medicamento, aprovado pela Anvisa em 2020, na rede privada custa em torno de R$ 7,5 milhões por dose e apesar de ser raro, algumas OPS/SES de pequeno e médio porte podem não conseguir cobrir as despesas geradas por esse tratamento.
Além do Zolgensma, que tem uma necessidade de cobertura mais rara, outros medicamentos de alto custo, como Apalutamida, Acalabrutinibe, Enzalutamida, entre outros, utilizados no tratamento de câncer passaram a ser cobertos pela saúde suplementar. Esses medicamentos não possuem o custo da mesma proporção que o Zolgesma, porém tem maior incidência entre os beneficiários, o que também causa grandes despesas para as OPS/SES.
Para termos uma ideia do impacto, de acordo com um estudo atuaria3 do Instituto Brasileiro de Atuária – IBA referente a PL 6.330/2019, a cobertura de determinados medicamentos previstos era superior ao valor do faturamento mensal de muitas Operadoras.
O estudo cita ainda o exemplo do medicamento Palbociclibe, utilizado no tratamento de câncer de mama, que tem o custo de R$ 429.373,06 em um único tratamento, é maior que o faturamento mensal de 60 OPS que tinham uma carteira de mais de 100 mil vidas, o que demonstra um risco de desequilíbrio financeiro para o mercado.
Um outro impacto desses fatores e que agrava esse cenário é o aumento da judicialização no setor de saúde suplementar. Medicamentos como o Elevidys, aprovado pela Anvisa em dezembro de 2024 e que é utilizado para tratamento da distrofia muscular de Duchenne – DMD, com um custo em torno de R$ 20 milhões, são frequentemente reivindicados por beneficiários em processos judiciais que obrigam as OPS/SES a cobrirem esses tratamentos, mesmo não estando inclusos no Rol de Procedimentos da ANS.
Dessa maneira, o setor da Saúde Suplementar tem enfrentado alguns desafios que precisam ser mais discutidos.
Estratégias do Setor de Saúde Suplementar
Para lidar com essas constantes alterações no setor é importante que as OPS/SES estejam ativamente em processo de atualização interna e promova mecanismos de melhor gestão de risco.
Primeiramente, assim como já é feito pela ANS através dos painéis dinâmicos, as OPS/SES precisam aprimorar a coleta e análise de dados para melhor compreender individualmente os desafios que enfrentam e os impactos causados pela constante mudança do setor.
Um dos principais meios de atualização é a reavaliação periódica da precificação dos produtos, ou seja, a atualização da Nota Técnica de Registro de Produto – NTRP, podendo também, em alguns casos, serem feitos em períodos menores que o inicialmente estimado pela ANS, que são de 12 meses. Essa revisão permite que as OPS/SES comercializem os planos levando em consideração os dados mais atuais e, com isso, mais compatíveis com as necessidades e gastos de cada produto.
A análise e estimativa da Variação do Custo Médico Hospitalar - VCMH que realiza projeção das despesas futuras também é essencial para as OPS/SES terem melhor conhecimento dos seus próprios desafios, sendo fundamental a utilização de modelos prospectivos e não somente retrospectivos.
Contratos de seguro, resseguro e cosseguro também são opções para as entidades que desejam mitigar o impacto dos altos custos dos medicamentos. Com isso, é possível ter uma melhor gestão, distribuição e diversificação dos riscos.
Além disso, é importante que o setor passe a trabalhar para uma melhor comunicação e negociação entre as OPS/SES e a indústria farmacêutica, bem como a negociação dos medicamentos no momento de incorporação ao Rol e até mesmo uma negociação conjunta entre OPS/SES. Dessa forma, pode-se realizar um melhor atendimento e fornecimento dos medicamentos para a população.
Por fim, as OPS/SES devem manter sempre que possível um diálogo com o judiciário de forma auxiliar, para melhorar o entendimento no impacto de decisões de medicamentos não incorporados ao ROL ou SUS e reduzir os prejuízos causados pela judicialização do setor.
Considerações finais
Diante disso, os desafios de custear os medicamentos de alto custo pela inclusão no Rol de procedimentos da ANS ou pela judicialização precisam ser analisados com atenção, visto que podem causar danos ao financeiro de algumas OPS/SES.
O avanço da tecnologia aumenta a demanda da população e proporciona o crescimento constante da indústria farmacêutica. Dessa forma, a velocidade que novos medicamentos são incorporados impactam financeiramente no setor de saúde privada.
Assim como demonstra o estudo do IBA, os planos de saúde podem ter impactos significativos com a obrigação de cobertura de certos medicamentos, estando Rol de Procedimentos da ANS ou não, por meio da judicialização.
Portanto, estratégias como a atualização periódica da NTRP, a estimativa do VCMH, contratação de resseguro e a melhora da comunicação entre os setores farmacêutico e da saúde suplementar são necessárias para melhorar os resultados e aprimorar o atendimento aos beneficiários.
O desafio a ser enfrentado pode parecer assustador, porém não impossível caso tenha um trabalho de todos para gestão.
Referências
CMED divulga anuário com dados do mercado nacional de medicamentos em 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/cmed-divulga-anuario-com-dados-do-mercado-nacional-de-medicamentos-em-2023.
Anvisa divulga dados do anuário sobre a indústria farmacêutica no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-divulga-dados-do-anuario-sobre-a-industria-farmaceutica-no-brasil.
GLOBO, A. O. Anvisa aprova remédio de R$ 20 milhões, um dos mais caros no mundo; conheça o Elevidys. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2024/12/anvisa-aprova-remedio-de-r-20-milhoes-um-dos-mais-caros-no-mundo-conheca-o-elevidys.ghtml. Acesso em: 18 dez. 2024.
ANS lança Painel de Informações do Rol. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/sobre-ans/ans-lanca-painel-de-informacoes-do-rol.
IBA. ESTUDO ATUARIAL IMPACTOS ECONÔMICOS DO PROJETO DE LEI 6.330/2019 divulgado no dia 30/07/202. Disponível em: https://atuarios.org.br/wp-content/uploads/2021/12/b2fb0c_fe8339e2cbae4877a04f2516bd3d7cf6.pdf.
1 Fonte: 7ª edição do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/medicamentos/cmed/anuario-estatistico-do-mercado-farmaceutico-2023.pdf.
2 Fonte: 6 ª edição do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/medicamentos/cmed/anuario-estatistico-2022.
3 Fonte: IMPACTOS ECONÔMICOS DO PROJETO DE LEI 6.330/2019 https://atuarios.org.br/wp-content/uploads/2021/12/b2fb0c_fe8339e2cbae4877a04f2516bd3d7cf6.pdf.