Reajuste anual e suas variáveis
Qual a importância do adequado reajuste anual? Como é calculado? Por que observamos diferentes percentuais? E quais as implicações em caso de aplicação indevida?
Este artigo tem como objetivo detalhar o reajuste aplicado anualmente, qual é o seu propósito e por que existe diferença entre os percentuais aplicados. Desta forma, buscamos trazer os componentes técnicos para embasamento de discussões e demonstração que o objetivo primordial desses reajustes não é maximizar o lucro das Operadoras de Planos de Saúde/Seguradoras Especializadas em Saúde (OPS/SES) com a oneração excessiva dos beneficiários.
Sendo assim, primeiramente precisamos entender o que é esse reajuste e seus objetivos.
O que é o reajuste anual e seu objetivo?
O reajuste anual do contrato de plano de saúde é um ajuste periódico nos valores das mensalidades dos planos de saúde, com o objetivo de manter ou recuperar o equilíbrio econômico-financeiro-atuarial do contrato. Isso significa que a mensalidade deve estar em acordo com a expectativa de custos, garantindo a sustentabilidade da operação.
Esse reajuste é necessário para cobrir aumentos nos custos assistenciais, despesas médicas, hospitalares e odontológicas, e demais despesas.
Importante entender que o reajuste anual que estamos tratando não pretende readequar a mensalidade devido ao envelhecimento dos beneficiários, visto que esta variação de custos e despesas já está contemplado no reajuste por mudança de faixa etária dos contratos.
A readequação das mensalidades deve contemplar não somente o nível dos custos já observados, mas também a expectativa de aumentos do próximo período de cobertura dos contratos, além de incorporação de novas tecnologias, mudança do perfil epidemiológico, aumento de utilização não relacionado a mudança de idade, entre outros fatores.
Na prática, as metodologias de apuração do reajuste anual devem considerar os dois componentes básicos: expectativa para variação dos custos médico, hospitalar e odontológicos e para variação das demais despesas da operação; e reequilíbrio da sinistralidade esperada em contrato chamado de reajuste técnico.
O reajuste técnico é necessário quando o custo observado e o nível de utilização dos beneficiários estão acima da expectativa definida nos cálculos atuariais, gerando a necessidade de ter um componente no reajuste para readequar a mensalidade para o próximo período de vigência do contrato ao que já foi observado.
Devemos deixar claro que que o reajuste técnico, assim como o reajuste anual, não tem como objetivo recuperar custo e despesa excedentes do passado, mas apenas readequar as mensalidades para que não haja déficit de mensalidade em relação aos custos e despesa do próximo período de vigência do contrato.
Apresentando estes componentes é possível dar clareza que os reajustes anuais não visão aumentar a margem de lucro das operadoras, onerando indevidamente os beneficiários. O grande objetivo do reajuste anual é manter ou recompor o equilíbrio econômico-financeiro-atuarial. À medida que os custos e despesas aumentam, a mensalidade reajustada deve contemplar o reflexo destes aumentos.
Como são calculados os reajustes?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determina diferentes regras para reajuste anual, de acordo com cada tipo de contratação: contratos individuais/familiares; contratos coletivos, empresariais ou por adesão, do pool de risco e demais contratos coletivos.
Individual/familiar
Para os planos individuais/familiares, a ANS calcula e determina o reajuste máximo a ser aplicado. A operadora de planos de saúde (OPS/SES) avalia internamente o que é necessário, mas está limitada ao que a ANS definiu. Ou seja, caso seja necessário aplicar um reajuste maior do que o divulgado pela Agência, isso não é possível.
Para esse reajuste, a ANS leva em consideração apenas a variação observada dos custos assistenciais de toda carteira de beneficiários de contratos individual/familiar entre dois últimos anos e a inflação geral (IPCA) do último ano.
E quais são os gaps desse modelo? Primeiramente, a definição de um reajuste máximo é a baseada na média do mercado e único para todo o setor. É necessário entender que não existe mutualismo entre as OPS/SES, isto é, haverá OPS/SES que necessitam de um reajuste maior do que a média de mercado e, portanto, terão um reajuste aplicado deficitário.
Além disso, o componente da readequação de mensalidade sinistralidade esperada não é considerado. Ou seja, se a carteira da OPS/SES vem apresentando uma utilização acima do esperado nos cálculos atuariais, não é aplicado um reajuste adequado, resultando em mais um ponto de déficit.
Coletivo empresarial e por adesão
Para os planos de contratação coletiva, a ANS não determina um limite máximo, permitindo a OPS/SES apurar o que é necessário para reequilíbrio econômico-financeiro-atuarial dos contratos. No entanto, segrega os contratos coletivos em dois subgrupos: pool de risco (em geral contratos até 29 vidas) e demais contratos com mais de 29 vidas.
Para o subgrupo do pool de risco é apurado pela OPS/SES, mas deve considerar reajuste anual com percentual único para aplicação em todos os contratos do pool de risco, gerando o mutualismo entre todos os contratos deste subgrupo como definido na RN nº 565/2023 da ANS.
Já para os contratos não pertencentes ao pool risco, o reajuste anual é de livre negociação entre a OPS/SES e cada contratante, sendo avaliada a necessidade de reajuste anual de cada contrato separadamente.
Em ambos os casos o atuário responsável da OPS/SES tem liberdade para definir a metodologia de cálculo, somente precisa estar descrita nos contratos coletivos.
Seguindo as melhores práticas, em geral a metodologia e a apuração do reajuste anual do pool de risco consideram os dois componentes necessários: expectativa para variação dos custos médico, hospitalar e odontológicos e para variação das demais despesas da operação; e reequilíbrio da sinistralidade esperada em contrato chamado de reajuste técnico.
No caso do pool de risco, a base de dados e demais detalhamentos dos cálculos serem documentados em Nota Técnica e arquivados na OPS/SES. Para demais contratos, em que o cálculo e caso a caso, o documento necessário é o que seja suficiente para a negociação com o contratante.
Sendo assim, a metodologia de cálculo é a mesma ou bastante similar; porém para o pool de risco é aplicado na base de dados de todos os contratos do pool de risco e gera um único percentual de reajuste e para contratos fora do pool de risco é aplicada apenas na base de dados do contrato e gera percentual de reajuste persona lizada para cada contrato.
E quais são os gaps desse modelo? A aplicação de um percentual único para todos os contratos do pool de risco pode gerar uma antisseleção de risco. Alguns contratos do pool de risco que tenham baixa utilização podem entender que o percentual é elevado e solicitar o cancelamento ou não renovação. Neste contexto, o percentual médio apurado passará a não ser suficiente para obter o reequilíbrio econômico-financeiro-atuarial no próximo período de vigência dos contratos que remanescerem no pool de risco da OPS/SES.
Em suma, são duas grandes diferenças entre o reajuste dos contratos Individual/Familiar e Coletivos:
- O reajuste Individual/Familiar é uma média do mercado, prevendo um mutualismo entre OPS/SES que não existe na prática. Ou seja, parte das OPS/SES podem aplicar maior do que precisam e parte vão aplicar reajuste menor do que precisam. Enquanto o Coletivo tem o reajuste de acordo com a sua própria necessidade, permitindo uma análise mais precisa e específica das necessidades de cada contrato ou grupo de contratos.
- O reajuste Individual/Familiar não prevê o componente de readequação da mensalidade à sinistralidade esperada, o que pode levar a um déficit na carteira e a um aumento constante da sinistralidade. Enquanto o Coletivo, com metodologia definida pelo atuário responsável, estabelece reajuste conforme toda a necessidade dos contratos para manter ou recompor o equilíbrio econômico-financeiro-atuarial.
Quais são os fatores que ajudam a elevar os reajustes?
Conforme vimos, o reajuste dos contratos de planos de saúde não tem como objetivo gerar margem de lucro para a OPS/SES onerar indevidamente o beneficiário, mas sim cobrir os custos futuros.
Alguns fatores que contribuem para um aumento do reajuste são:
- Elevado volume de fraudes e desperdícios. Estudo do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar – IESS aponta que 12,7%1 das despesas das OPS/SES relacionadas a fraudes e/ou desperdícios.
- A incorporação de novos procedimentos ao Rol de forma muito mais frequente, incluindo procedimento e medicamentos de altíssimo custo sem previsão de compartilhamento de risco ou fundo mútuo de cobertura, exemplo o medicamento Zolgensma com custo da dose úncia de mais de R$ 6 milhões2.
A atualização do rol é necessária e isso não é ponto de discursão, mas uma atualização constante faz com que as contraprestações definidas com base em cálculo atuarial sejam insuficientes na medida que novos procedimentos que não eram previstos são incorporados. Logo, temos reajuste mais altos constantemente. - Figura de rol exemplificativo/taxativo também pode gerar aumento de despesas referentes a coberturas não previstas em contrato e nos cálculos atuariais. Lei 14.454/2022 aponta o Rol de procedimentos da ANS como apenas uma referência básica.
- A judicialização referente a coberturas não prevista em contratos ou não aplicação do reajuste por mudança de faixa etária necessário, vai gerando uma carteira cada vez mais deficitária.
Qual o impacto da não aplicação dos reajustes necessários? E o que fazer para controlar o reajuste?
Certamente, temos como premissa base, uma adequada precificação da Tabela de Vendas que reflita a melhor estimativa dos custos e despesas e variação dos custos conforme faixa etária dos beneficiários e que a OPS/SES sempre aprimore medidas de controle dos custos e gestão dos riscos: ações para medicina preventivas, adoção de Atenção Primária à Saúde - APS, novos modelos de remuneração aos prestadores, processos de combate à fraude e desperdícios, entre outras medidas.
Entretanto a não aplicação dos reajustes ou a aplicação de percentuais inferiores ao necessário geram resultar em um desequilíbrio econômico-financeiro-atuarial, fazendo com que a OPS/SES não consiga arcar com seus compromissos juntos aos prestadores de serviços afetando o acesso adequado dos beneficiários à assistência à saúde e, em casos mais extremos, até a leve a sua liquidação da OPS/SES.
Quais mudanças devemos ter no cálculo do reajuste no futuro?
- A ANS está avaliando avaliar a revisão técnica da carteira dos contratos individuais/individuais, que se trata do componente de reajuste para readequação da sinistralidade esperada, levando em consideração a necessidade de cada OPS/SES.
- A ANS vem estudando aumentar o número de vidas mínimo do pool de risco do contrato coletivos, o que gerará uma mais diluição do risco que pode reduzir ou até aumento o impacto da antisseleção citada anteriormente.
- Existe projeto de lei no Congresso Nacional para que a ANS passe a também definir um reajuste máximo para os contratos coletivos, o que poderá levar um desequilíbrio neste grupo de contratos, que representam hoje, 82,91%3 dos beneficiários do setor.
Considerações finais
Como podemos perceber, o reajuste não é um assunto simples e existem diversas vertentes que resultam em percentuais elevados e reclamações frequentes sobre esses aumentos. É importante esclarecer que o objetivo dos reajustes não é onerar os beneficiários para aumentar as margens de lucro das OPS/SES, mas sim readequar os valores da mensalidade às novas expectativas de custos futuros.
Em resumo, limitar o reajuste não é a solução adequada. O foco deve ser em debater e implementar estratégias para mitigar o crescimento excessivo dos custos e despesas e de utilização mais eficaz dos recursos disponíveis.
O assunto é extenso e complexo, mas é crucial compreender as razões por trás dos reajustes, os objetivos que se pretende alcançar com eles e os impactos potenciais da não aplicação ou da aplicação incorreta desses ajustes.
1 Fonte: IESS – https://www.iess.org.br/publicacao/blog/perdas-com-fraudes-e-desperdicios-representam-127-da-receita-das-operadoras.
2 Fonte: AMB – https://amb.org.br/brasilia-urgente/planos-de-saude-vao-ter-de-fornecer-remedio-de-r-64-milhoes-para-tratar-ame/.
3 Fonte: ANS – https://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/sala-de-situacao.html.