O Crescente Aumento da Provisão para Insuficiência de Contraprestações/Prêmios
A constituição obrigatória da PIC foi estabelecida através da resolução normativa-RN nº 442/2018, sendo o seu início de constituição previsto para janeiro de 2020, entretanto em virtude da pandemia do Covid-19, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS alterou a data para janeiro de 2021. Além disso, a sua constituição pôde ser feita de forma gradual e linear ao longo de 24 meses, a contar de janeiro de 2021.
Em uma avaliação histórica dos montantes constituídos pelas OPS/SES desde o 4º trimestre de 2019, observamos um aumento gradativo da PIC , sendo que nos dois últimos trimestres avaliados, os montantes constituídos tiveram um aumento significativo, nos quais apresentaram, respectivamente, R$ 2,2 bilhões e R$ 3,8 bilhões, para o 2º e o 3º trimestre de 2022. Tal aumento é devido a um crescimento real da PIC, isto é, as OPS/SES estão verificando um aumento do déficit entre receita e despesas, combinado com a constituição gradativa por parte das OPS/SES. A seguir, apresentamos o histórico de montante de PIC constituídos pelas OPS/SES ano longo do 4º trimestre de 2019 a 3º Trimestre de 2022:
Figura 1: Histórico de montante total de pic das OPS/SES por porte – fonte: Prisma econômico-financeiro da saúde suplementar
Primeiramente, podemos observar que mesmo não sendo obrigatório a constituição de PIC até o 4º trimestre de 2020, observamos 5 OPS/SES que já constituam PIC no 4º trimestre de 2019, sendo que a 99,98% do montante provisionado eram referentes a duas OPS/SES (uma de pequeno porte e outra de médio porte). Ao longo de 2020, outras OPS/SES, mesmo tendo sido postergado a data de início obrigatório, mantiveram o provisionamento de PIC.
Em relação aos dois últimos trimestres avaliados, o montante total constituído pelo mercado apresentou um aumento significativo. Do 1º trimestre de 2021 até o 1º trimestre de 2022, as OPS possuíam em média R$ 1,4 bilhões de provisão constituída, mas tal valor passou dos R$ 2 bilhões no 2º trimestre de 2022 e ultrapassou os R$ 3,5 bilhões no 3º trimestre de 2022.
Mas o que vem acontecendo para o aumento tal expressivo da PIC?
Primeiramente, antes de falarmos dos fatores que causaram o aumento da PIC, precisamos entender o modelo padrão da ANS para o cálculo desta provisão, o qual é usando pela maioria das OPS/SES do mercado. Todavia, a recomendação da própria ANS é que o modelo atuarial próprio de cada OPS/SES seja adotado.
O modelo padrão da ANS tem como característica um método retrospectivo, isso é, observa os últimos 12 a 24 meses de cada OPS/SES e projeta que os próximos 12 meses serão semelhantes. Desta forma, caso seja observado uma insuficiência de contribuição/prêmio no período histórico avaliado, o modelo aponta para os 12 meses seguintes um fator de insuficiência semelhante.
Sendo assim, em um mercado sem variações significativas tal modelo pode ser considerado razoável para uma estimativa simplificada da PIC. Entretanto, a pandemia da Covid-2019 apresentou impactos significativos na utilização histórica do mercado, além de uma mudança no padrão de utilização dos beneficiários.
Fazendo uma retrospectiva do efeito da pandemia, observamos ao longo do ano de 2020, em virtude das medidas sanitárias e de contenção da transmissão, uma redução da sinistralidade observada, visto os cancelamentos e adiamentos dos procedimentos eletivos.
Em contrapartida, ao longo de 2021, observamos um aumento da sinistralidade devido a retomada dos atendimentos e principalmente a demanda reprimida dos atendimentos cancelados e adiados do ano de 2020.
Até esse ponto, era esperado um possível aumento da PIC, ao final de 2021, porém não foi observado com grande intensidade, visto que a ANS, para minimizar o efeito da pandemia, alterou a fórmula de apuração da PIC e incluiu uma avaliação do fator de insuficiência considerando além do período de 12 meses, um período de 24 meses.
Desta forma, a demanda reprimida e a retomada dos atendimentos ao longo de 2021, tiveram seus efeitos minimizados e diversas OPS/SES, que apresentavam a necessidade de constituição de PIC ou aumento da mesma, tiveram esta situação controlada.
Todavia, ao longo de 2022, ainda continuamos observando um aumento da sinistralidade, gerado ainda por demanda reprimida e por aumento de utilização de acompanhamento e tratamento de saúde mental e outros, conforme podemos observar a seguir:
Figura 2: Histórico de sinistralidade por modalidade (acumulado 12 meses) – Fonte: Painel contábil da saúde suplementar
Conforme podemos observar na figura 2, a sinistralidade acumulada em 12 meses2 vem aumentando a cada trimestre. A princípio, era esperado ao longo de 2022 que observássemos uma redução da sinistralidade, retomando os patamares anteriores a pandemia, mas tivemos o efeito inverso e continuamos observando crescente aumento.
As Autogestões chegaram à 94,9% de sinistralidade, Seguradoras Especializadas em Saúde à 92,1%, Cooperativas Médicas à 88,8%, Medicina de Grupo à 87,4% e Filantropia à 85,2%. As Filantropias e Seguradoras Especializadas em Saúde aumentaram em torno de 8 pontos percentuais-pp o nível de sinistralidade quando comparado com o 4º Trimestre de 2019 (as mesmas possuíam uma sinistralidade de 76,8% e 84,2%, respectivamente). As demais empresas variaram de 3pp a 6pp.
A sinistralidade geral, acumulada dos últimos 12 meses, no mercado do ano vem registrando aumento ao longo do ano, até o 3º trimestre do ano, o mercado registrou um índice de 89,73%, enquanto no 4º trimestre de 2019, a sinistralidade era 84,49%.
Em relação a sinistralidade observada no ano de 2022, até o 3º Trimestre de 2022, o mercado observou um índice de 90,30% de sinistralidade.
Este significativo aumento da sinistralidade teve reflexo nos resultados líquidos das OPS/SES3, até o 3º trimestre de 2022, as operações de planos médico-hospitalares apresentaram resultado líquido negativo de R$ - 3,4 bilhões. Para efeitos comparativos, em 2018 e 2019, que antecederam a pandemia de Covid-19, os resultados líquidos até 3° trimestre de cada ano girava em torno de R$ 5,8 bilhões e R$ 8,6 bilhões, respectivamente. No ano de 2020 o resultado líquido, até o 3º trimestre do ano, chegou à quase R$ 15 bilhões, porém influenciado pela redução da utilização dos beneficiários devido às medidas de isolamento para evitar a transmissão do Covid-19 e de contenção de assistência à saúde eletiva para disponibilidade para atendimentos aos casos de Covid-19.
Já em 2021, o resultado líquido começou a apresentar uma queda e agravada ao longo de 2022, sendo que ainda é esperado para o 4º Trimestre de 2022 um novo aumento da sinistralidade e, consequentemente, um aumento do resultado líquido negativo muito expressivo.
O aumento da sinistralidade é causado pela combinação do aumento dos custos assistenciais e a redução das receitas, devido ao reajuste negativo dos contratos individuais/familiar que gerou uma redução da contraprestação de -8,19%.
Desta forma, o aumento observado na PIC é também reflexo do crescente aumento de custo assistencial que as OPS/SES vêm observando no período pós pandêmico e da redução de sua receita devido ao reajuste negativo de seus contratos individuais/familiar. Nem mesmo a revisão da metodologia feita pela ANS foi capaz de conter o aumento da PIC, em virtude de não ser aderente para situação de histórico atípico e que possivelmente não se repetirão nos próximos 12 meses, como o caso do período de pandemia e de pós pandemia.
Vale ressaltar que ao longo dos anos de 2021 e 2022, tivemos o escalonamento da constituição da PIC, que contribuiu um pouco para o aumento do montante da PIC trimestres, para as OPS/SES que optam em fazer de forma escalonada. Entretanto, o aumento de sinistralidade observado foi o principal fator, inclusive para os aumentos observados nos 2º e 3º trimestres de 2022.
Então, o que podemos esperar para os próximos meses? E como as OPS/SES podem se preparar?
Conforme já mencionado, ainda é esperado para o 4º trimestre de 2022 um aumento dos custos assistenciais, e consequentemente, um aumento da sinistralidade.
Em contrapartida, para as OPS/SES que possuem contratos individuais/familiares, com os reajustes das renovações de contrato dos meses de outubro de 2022 a abril de 2023, será possível a aplicação do reajuste anual até 15,5%, aprovado pela ANS, minimizando o impacto ainda existente do reajuste negativo aplicado nas renovações de maio/2021 a abril/2023.
Ainda não podemos prever como ficará a sinistralidade ao longo do ano de 2023, sendo assim, os próximos meses deverão ser acompanhados de forma próxima pelas as OPS/SES, avaliando os principais fatores que vem incrementando o aumento de custos assistenciais com o mapeamento de custos assistenciais, revisão de políticas e fatores moderadores (como reembolso, coparticipação e franquia), mapeamento da rede de atendimento e os principais prestadores que oneram os custos, visando entender a expectativa de custo futuro, para elaborar planos de ação de controle e gestão de risco e custos, estudo de implementação de programas de saúde, revisão dos modelos de pagamentos e etc.
Por fim, conforme vimos acima, o modelo padrão da ANS no atual cenário observado no mercado de saúde suplementar, pode não ser razoável, pois qualquer variação significativa no passado pode ter impacto indevidos na provisão que deve prever a insuficiência do futuro. Sendo assim, é extremamente importante uma avaliação atuarial da PIC, para ter premissas para diversas variáveis que levem a apuração da melhor estimativa de custos e insuficiências futuros.
1 Fonte: Painéis Dinâmicos Prisma Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar
2 Fonte: Painéis Dinâmicos Prisma Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar
3 Fonte: Painéis Dinâmicos Painel Contábil da Saúde Suplementar
Referências
_______. Resolução Normativa – RN no 393, de 09 de dezembro de 2015. Dispõe sobre os critérios de constituição de Provisões Técnicas a serem observados pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde e revoga dispositivos da Resolução Normativa nº 209, de 22 de dezembro de 2009, e a Resolução Normativa nº 75, de 10 de maio de 2004. Rio de Janeiro: ANS, 2022 Disponível em: https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=pdfAtualizado&format=raw&id=MzE1Mw==. Acesso em: 01 dez. 2022
ANS – AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Prisma Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNjViNzQ2NmQtYWFiNy00MzQ0LWJjODUtOGI3OWNlY2ZjNDgwIiwidCI6IjlkYmE0ODBjLTRmYTctNDJmNC1iYmEzLTBmYjEzNzVmYmU1ZiJ9.Acesso em: 16 dez. 2022.
ANS – AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Painel Contábil da Saúde Suplementar. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNjRiYTM0MjUtYjFhMy00NTI3LWE4ZGQtMDg4YzdlMzYwZjViIiwidCI6IjlkYmE0ODBjLTRmYTctNDJmNC1iYmEzLTBmYjEzNzVmYmU1ZiJ9. Acesso em: 16 dez. 2022.